sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Somos construtores da saúde emocional na pandemia - Ana María Fonseca Zampieri

 “Sem a educação das sensibilidades, todas as habilidades são tolas e sem sentido”. 

(Rubem Alves, 2020). 



A “realidade” atual muda todo o tempo e a pandemia é uma ruptura total com o conhecido. Quando a “realidade” que nos rodeia muda drasticamente, temos, como seres humanos, dificuldades em nos adaptar ou reações de adversidades, de estresse, ansiedades e depressão, entre outros sinais de pós-trauma. Quando isso acontece dizemos que essa atual pandemia é um entorno disruptivo. 

O que virá após esta quarentena? Provavelmente dependerá de como estamos traçando nossos caminhos, de como estamos produzindo mudanças em nossas convivências, na ciência, na política e em nossas relações sociais e familiares. Temos vários “Brasis” e, assim, várias pandemias. Contextualizar cada cultura, cada comunidade e personalizar programas educativos de prevenção e auto cuidados está em nossa ética de não causar dados e não omitir posicionamentos vitais para a melhor democracia de nossa saúde emocional e integral. 

A maioria de nós desconhece ter vivido mensagens de ordem como: “Fique em casa!”. “Faça distanciamento social!”. “Não se aproxime dos outros, pelo menos dois metros de distância!”. “Avós são grupo de risco!”. “Não poderemos velar nossos mortos!”. 

Há uma ameaça invisível, microscópica! Precisamos crer sem ver! Obedecer para sobreviver! Qual será o “normal” de nossas vidas? E quando? 

Vamos sobreviver em nossos empregos? Teremos saúde pública e privada suficientes? Por que vejo covas em cemitérios públicos sendo abertas à “espera” de tantos “moradores”? O que significam estas instabilidades políticas? Por que ser idoso é ser um perigo? “Há grupos e/ou comportamentos de riscos”. 

Como nosso mundo interno recebe e “metaboliza” essas mensagens frequentes das diversas mídias que nos deixam muitas vezes exauridos? Estamos e estaremos mais ou menos estressados? Como sabê-lo? Por que esta sensação recorrente de cansaço? Como lidar com a manutenção de rotinas? Em algum dia voltaremos a nos sentir seguros? E o aconteceu com as certezas que fomos acumulando ao longo de milhares de anos como seres humanos?

Estamos perdendo as pessoas antes de perdê-las? Pauline Bass (1999)  descreve este fenômeno como ambíguo, pois podemos perder mentalmente nossos seres amados antes que morram fisicamente.  

A liberdade de movimento é historicamente a mais antiga e a mais elementar, de acordo com Lessing (1972) 2 . Quando os homens são privados do espaço público recolhem-se à sua liberdade de pensamento. O que pesamos em nossa liberdade interna? Os pilares da verdade podem ser confundidos com os pilares de ordem política. O mundo parece ficar inóspito para as necessidades humanas quando violentamente é lançado em movimento onde não existe mais nenhuma espécie de permanência. (Zampieri, 2016). 

Em um mundo com temor ao contágio de um vírus incompreensível, que está em quarentena e sem expectativas, a curto prazo, de vacinas, recuperar uma convivência democrática é fundamental, segundo Humberto Maturana (2015)4 . Frente a uma ameaça compartilhada, podemos nos reagrupar, ajudar-nos e cooperar. Se nós pudermos aprender a cooperar, mais que competir, operando em um projeto comum, poderemos ter um momento histórico de nos fazermos autoconscientes do hiperindividualismo para compreendermos melhor o que acontece em nosso viver cotidiano. Frente a esta crise sanitária, humana e ecológica, o bem estar exige mútuo respeito e colaboração. 

Entrar em nosso mundo interno é também encontrar as sombras que preferimos ignorar, muitas vezes. É uma importante ter coragem para olhar o medo do futuro, a culpa do passado e o silêncio em estar cada um consigo mesmo. 

Cerca de bilhões de pessoas estão confinadas em casa, em isolamento, auto isolamento ou quarentena! Como lidar com isto? 

O historiador israelense Yuval Noah Harari (2018), afirma que solidariedade deve ser a resposta à crise. O problema maior pode ser o de nossos demônios invisíveis da ganância, da ignorância, do ódio e atribuir culpa a outros países e minorias étnicas e religiosas. O mundo precisa prestar mais atenção ao que os cientistas propõem, com relação ao colapso ambiental e à pandemia. Quem sabe aprenderemos a conciliar a ciência com a política? 

Antonio Damásio (2018), neurocientista, disse que a cultura, a organização social e política, a manutenção da justiça e a organização dos mercados são, em grande parte, uma projeção da estrutura biográfica que a humanidade criou para resolver o problema da sobrevivência. Até onde sabemos, o coronavírus depende de seres vivos para manter-se durante certo tempo. Somos hospedeiros do vírus que encontra, em nossas vulnerabilidades, ajuda para a continuação de suas existências? É importante termos cuidado com o excesso de confiança e de quase invulnerabilidade, o que nos torna perigosos com relação à pandemia. 

Quase tudo é novo e inesperado neste momento. A preocupação do mundo depende também de emoções. Fomos pouco cautelosos desde a depressão financeira de 2008? Talvez tenhamos que usar máscaras nos próximos dois anos? O que vai acontecer com o turismo e a aviação internacional? Como funcionarão os restaurantes? O ar condicionado terá que ser remodelado? Haverá mutações do vírus? Novos surtos acontecerão? Virão novas ondas de contaminação? É um período de alta instabilidade, mas também momento de esperança!

David Kessler (2019) conceitua luto como “a perda de conexão habitual”. Então poderíamos estar com vários lutos? Médicos, enfermeiros e profissionais da saúde são os nossos heróis confiáveis? Os únicos? Por que tantas discordâncias quanto às medicações e tratamentos nessa pandemia? Luto antecipatório é um 3 termo ligado à morte eminente de pessoas em estágios finais de suas vidas, bem como de seus familiares. (Fonseca, 2004) 8 . Hoje podemos dizer que estamos todos em luto antecipatório? Pensamos em quais pessoas de nossas vidas poderão morrer na solidão de UTI ou em corredores de hospitais, com ou sem respiradores? Se tenho perdas de conexão humana direta, estou de luto? Como me recuperar e manter a esperança? 

Atento ao fenômeno de “otimismo trágico” Victor Frankl (1991) 9 , o psiquiatra vienense que sobreviveu ao holocausto, definiu isto como a capacidade de manter a esperança e encontrar significados nas crises da vida. Lawrence Calhoun (2018)12 usa o termo “crescimento pós-traumático” para descrever o melhor engajamento possível desse do “otimismo trágico”: a capacidade da humanidade de transformar criativamente os aspectos negativos da vida em algo positivo ou construtivo. Como posso investir no treinamento de meu equilíbrio emocional? 

Para regular o estresse é preciso identificar nossas emoções e sentimentos para nós mesmos como: medo, culpa, vergonha, desamparo, desvalia, raiva, confusão, descrença, desesperança, solidão, gratidão, saudades, amor, respeito e compaixão. Resgatar os ensinamentos transgeracionais de nossas famílias e antepassados de como lidar com fracassos e suas adversidades e triunfos torna possível que cresçamos com o caos. (Zampieri, 2019) .

 Sugerimos a todos que participem e compartilhem com grupos diversos positivos e criativos. Buscar propósitos em como ajudar o próximo é outra possibilidade para nossa saúde. Conversar sobre planejamentos de vida e morte, confrontar e aprender com os desafios tecnológicos, fazer meditação, estratégias de autoestabilização emocional, exercícios de respiração, enfim cuidar de nossos respiradores internos. 

Nossas mentes primitivas sabem que algo ameaçador está acontecendo. Algo que não podemos ver com mais clareza. Isso quebra nossa sensação de segurança básica, individual ou coletivamente e estamos sofrendo no nível micro e macro humano. 

Há manifestações emocionais que vamos observando próprias deste vivenciar traumatogênico como: o desconcerto, a angústia, a impotência, a descontinuidade no vivenciar e o impacto da ameaça. Como em uma espécie de “vacinação emocional”, poderemos buscar a força de nossas esperanças, reformulação de nossas vidas e os significados essenciais delas. Neste movimento histórico mundial, sermos os atores construtivos, equilibrados emocionalmente e criativos no viver uma consciência planetária, poderá ser a maior herança para nossos próximos humanos! Legitimar a dor para buscar o amar nesta interdependência que pode ser mais equânime e responsável. (Zampieri, 2016). 

Somos construtores da saúde emocional na pandemia. 

Prof. Dra. Ana María Fonseca Zampieri Pós doutora em Psicologia Clínica, 

 Psicoterapeuta, Membro da Rede Latinoamericana de Ecobioética. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário